O Instituto Ética Saúde manifesta sua profunda preocupação e repúdio diante das tentativas em curso no Congresso Nacional de criar um verdadeiro vácuo no caráter legislativo, que caminha na contramão dos avanços legais observados na última década. A ética pública deve avançar de modo perene, contando com uma produção legislativa que se alinhe aos mais modernos padrões de boas práticas.
Nos próximos dias, poderá ser votada a chamada PEC da Blindagem, uma proposta que representa um retrocesso histórico na luta contra a impunidade. Trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição que pretende impor uma barreira para que parlamentares somente possam ser investigados criminalmente mediante autorização do próprio Congresso. Em outras palavras, a Câmara e o Senado passariam a funcionar como filtros políticos para impedir a ação dos órgãos responsáveis e da Justiça de forma direta.
É importante lembrar que, desde 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) já condenou pelo menos 25 parlamentares federais – 23 deputados e dois senadores – por crimes, conforme levantamento do Congresso em Foco. Esses casos mostram a importância de um Judiciário livre para investigar, processar e condenar parlamentares, quando comprovadas práticas criminosas.
Outra iniciativa do Congresso que fragiliza os mecanismos de responsabilização é o Projeto de Lei Complementar nº 192/2023), aprovado no dia 2 de setembro pelo Senado Federal. Ele altera de forma substancial a Lei Complementar nº 135/2010 — a Lei da Ficha Limpa e estabelece um único prazo de inelegibilidade de oito anos, contado da perda do mandato, da eleição em que ocorreu o ilícito, da renúncia ou da condenação em segunda instância, além de impor um limite máximo de 12 anos, ainda que o agente político acumule múltiplas condenações. Ou seja, na prática, os prazos reduzem o tempo de perda dos direitos políticos. O presidente da República pode vetar o PL.
Vale lembrar que este é um exemplo emblemático da força da mobilização popular pela ética na política. A Lei da Ficha Limpa é reconhecida internacionalmente como uma das maiores conquistas democráticas brasileiras do século XXI. É fruto de um projeto de iniciativa popular. Nasceu do esforço de mais de 1,6 milhão de cidadãos, que coletaram assinaturas ao longo de 14 anos. Aprovada em 2010 por unanimidade no Congresso, a lei estabeleceu critérios objetivos de inelegibilidade para políticos condenados por órgãos colegiados da Justiça. Seu objetivo é simples e republicano: impedir que pessoas já condenadas por crimes graves possam se candidatar e representar a sociedade.
Essas iniciativas caminham na contramão da história democrática brasileira e da luta pela moralidade pública. São propostas que atentam contra valores fundamentais da República e buscam criar espaços de impunidade institucionalizada.
O Instituto Ética Saúde alerta: a aprovação da PEC da Blindagem, combinada com iniciativas que buscam fragilizar a Lei da Ficha Limpa, constitui um grave atentado à democracia e à moralidade pública. Um movimento que pode aumentar ainda mais a corrupção no país. Corrupção esta que, na área da saúde, mata!
Não podemos assistir passivamente o empoderamento da impunidade. É hora de vigilância e mobilização. Chamamos a população brasileira a ficar atenta às movimentações em Brasília, em especial nos próximos dias, e a pressionar seus representantes para que votem contra medidas que desmontam os pilares da democracia.
Conclamamos a todos e todas que exigem por condutas éticas e transparentes dos nossos representantes a se unirem nesta luta. Já se posicionaram contrários a PEC da Blindagem a Transparência Internacional Brasil e o Instituto Não Aceito Corrupção.
A ética, a transparência e a integridade devem permanecer no centro da vida pública.
Filipe Venturini Signorelli
Diretor Executivo do Instituto Ética Saúde
São Paulo, 5 de setembro de 2025
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