As questões técnicas e os dilemas éticos sobre a vacinação da COVID-19, que tem repercutido no mundo e no Brasil, foram tema de Webinar promovido pelo Instituto Ética Saúde, no dia 22 de janeiro. Na abertura, a integrante do Conselho de Administração do IES, Vanessa Torres, destacou que “discussões regulatórias, epidemiológicas, técnicas, comerciais e até políticas a que temos assistido são todas permeadas por aspectos éticos que merecem total atenção. É um debate que precisamos trazer à tona e o Instituto Ética Saúde tem esse papel de ajudar a sociedade a refletir sobre questões para as quais talvez ainda não tenhamos uma resposta pronta”.
A mediação foi do diretor técnico do Instituto, Sergio Madeira, que destacou “não haver, no Brasil, lamentavelmente, um organismo centralizador e de liderança – que deveria ser o Ministério da Saúde – com um comitê científico para estabelecer as prioridades, as formas de execução da vacinação e tratar tudo com transparência indispensável. E isso pode gerar impactos futuros, com os estados e os municípios com níveis de controle da Covid-19 diferentes”.
O professor da FMUSP, membro da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações da SES-SP e presidente da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Imunizações, Gabriel W. Oselka, explanou sobre os diferentes tipos de vacina em teste no planeta – quase 200 – e sobre a eficácia da Coronavac e Oxford – que são as duas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso emergencial. Quanto à vacinação, questionou a ordem de prioridade estabelecida pelo governo. “O que significa a linha de frente? Na linha de frente de combate à pandemia há diferentes características e diferentes grupos. Por exemplo, pela importância da reabertura das escolas, penso que aqueles que estão na linha de frente da educação deveriam ser prioritários e não estarem em quarto lugar da lista. O Brasil tem um histórico de grande eficácia em implementação de campanhas de vacinação. Mas a improvisação e pressa de fazer isso levaram ao cenário atual”.
Para o sanitarista, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da FGV e consultor da OPAS/OMS, Gonzalo Vecina, a capacidade de produção brasileira é a salvação. Segundo ele, com regularização do abastecimento de insumos da China, o Brasil poderá fabricar 30 milhões de doses de vacinas, entre Coronavac e Oxford, até julho. E, a partir de agosto, com a produção do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) internamente, ele acredita que até dezembro o país terá 300 milhões de doses, o que daria para vacinar 150 milhões de brasileiros. Mas ressaltou a necessidade de ampla divulgação. “Nunca uma campanha de vacinação foi realizada sem massivas campanhas de comunicação, em qualquer lugar do mundo. O Ministério Público precisa cobrar uma política pública de comunicação do Ministério da Saúde. Não tê-la é crime. Está na Constituição”, disse. O professor Oselka foi além: “Campanhas de Vacinação em larga escala: é dessa forma que serão combatidas as fake news. Mas isso, infelizmente, não está acontecendo”.
Na opinião dos convidados, sem a vacinação em massa da população, os riscos podem aumentar. “Ou todos nos vacinamos ou a doença vai continuar matando. E pior, continuará mutando. E essas mutações até podem, em futuro próximo, trazer um vírus que seja resistente às vacinas”, alertou Gonzalo Vecina. E completou: “Esta é a onda que temos que liderar nesse país, ‘quem ama, vacina’. Não tem outra saída para essa pandemia”.
Sobre a comercialização de vacinas, pelo setor privado, o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP foi enfático: “a venda de vacina neste momento é imoral. As desigualdades se acentuarão e sem nenhum impacto epidemiológico, sem o foco e compromisso expressos textualmente na Constituição. E as distorções, fura-filas, desvios no serviço público têm que ter sanções. Punir não é o caminho. Mas, as sanções são fundamentais. Tem que ter regras e impor sanções. Entender o que é ética e o que é moral”, defendeu Vecina.
Para Sérgio Madeira, é preciso maximizar a oferta e chegar à população com um número significativo de doses. E promover campanha, intensivamente. “Nós estamos apenas começando. Existe uma janela de esperança porque a vacina está aí, mas tem um enorme terreno que temos que avançar para usarmos a vacina da melhor forma possível, divulgando, convencendo que vale a pena. A vacinação em massa e mais rápida possível vai corrigir as imperfeições”, finalizou.
Uma pesquisa feita com a audiência depois de finalizado o evento revelou que para 92% dos presentes não há clareza nas informações públicas, em relação ao detalhamento das prioridades no acesso à vacina. Questionados sobre a obrigatoriedade da vacina, 60% acham que deve ser obrigatória e 40% não. Quanto ao acesso privado à vacina da Covid-19, 65% aprovam. E 88% dos participantes consideram antiético deixar o mercado estabelecer o preço da vacina.
Os debatedores também conversaram sobre a aplicação simultânea das vacinas contra a Covid-19 e a Influenza e sobre a possibilidade de, numa fase inicial, aplicar uma primeira dose da vacina Coronavac para aumentar o número de beneficiados, retomando a seguir as duas doses, com a disponibilidade de mais vacina.