O Instituto Ética Saúde (IES) acompanha com atenção e preocupação as recentes manifestações da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo (OAB SP), que denunciam a prática recorrente de operadoras de planos de saúde que deliberadamente optam por não cumprir decisões judiciais em favor de seus beneficiários, o alerta foi amplamente repercutido pela imprensa.
Esse tipo de conduta, que transforma multas judiciais em “despesas operacionais” previsíveis, representa mais do que um descumprimento legal — revela um padrão de resistência institucionalizada e configura grave ameaça à governança ética e à confiança no setor da saúde suplementar. Em vez de serem cumpridas prontamente, decisões judiciais que garantem acesso a medicamentos, tratamentos ou procedimentos essenciais são sistematicamente ignoradas, obrigando os pacientes a recorrerem novamente ao Judiciário para executar sentenças já proferidas.
O cenário é agravado por um dado preocupante: conforme apontado pela Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB SP, muitas dessas demandas são transformadas em Notificações de Intermediação Preliminar (NIPs) junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em uma tentativa indireta de pressionar as operadoras a cumprirem ordens judiciais. No entanto, esse mecanismo foi criado com outro propósito — evitar litígios antes da abertura de processos sancionadores — e seu uso recorrente para assegurar direitos judicialmente reconhecidos indica desvio em sua finalidade original e sobrecarga na regulação administrativa.
A escalada dessas práticas, que distorcem o papel das instituições e da própria regulação, ocorre em paralelo a outro dado alarmante: o setor da saúde suplementar encerrou o ano de 2024 com lucros líquidos de R$ 4,6 bilhões — conforme destacado pelo IES em nota oficial anterior. Os resultados financeiros positivos, embora legítimos do ponto de vista empresarial, não têm sido acompanhados por uma contrapartida proporcional em compromissos éticos e assistenciais. A judicialização crescente, as negativas de cobertura sistemáticas e o desrespeito às decisões judiciais criam um ambiente de insegurança jurídica e de assimetria no acesso aos direitos.
É nesse contexto que se torna indispensável correlacionar o avanço financeiro das operadoras com sua conduta institucional. A sustentabilidade do setor não pode estar dissociada da responsabilidade assistencial e do cumprimento da legalidade. Os lucros, quando acompanhados da recusa em obedecer a determinações da Justiça, não apenas deslegitimam a confiança no sistema, mas também indicam uma inversão de prioridades: o foco deixa de ser o paciente para se concentrar em estratégias de contenção de custos — muitas vezes em detrimento da vida e da dignidade.
O Instituto Ética Saúde reforça que práticas como essas representam um desvio grave do propósito da saúde suplementar, que deve ser pautada na prestação contínua, segura e ética de serviços de saúde. A recusa em cumprir ordens judiciais não pode ser naturalizada nem tolerada. É necessário que a ANS, o Poder Judiciário e os órgãos de controle aprofundem a análise sobre esses comportamentos reincidentes e promovam medidas que realmente desestimulem a prática, inclusive com sanções mais efetivas e responsabilização direta de gestores.
Reiteramos, também, que o setor suplementar precisa urgentemente reequilibrar sua lógica institucional: se há margem para crescimento econômico, também deve haver espaço para revisão dos modelos de autorização, de credenciamento, de resposta às demandas judiciais e de respeito aos direitos dos pacientes. A ética não pode ser negociável.
O IES permanece atento e comprometido com o fortalecimento de uma saúde suplementar baseada na equidade, na justiça e na integridade das relações entre operadoras, beneficiários e o sistema regulador. Transparência, responsabilidade e respeito ao ordenamento jurídico são pilares que não podem ser ignorados em nome de estratégias econômicas.
Filipe Venturini Signorelli
Diretor Executivo do Instituto Ética Saúde
Julio Zanelli
Assessor de Ética e Integridade do Instituto Ética Saúde
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