O sucesso de um programa de vacinação depende da ação do Estado e do cidadão. A opinião é da convidada internacional do webinar promovido, no dia 7 de julho, pelo Instituto Ética Saúde, a Prof. Dra. Maria do Céu Patrão Neves, catedrática de Ética na Universidade de Açores, pós graduada em Bioética no Kennedy Institute of Ethics/Georgetown University, ex-consultora da Presidência da República de Portugal em Ética da Vida, membro do Conselho Nacional de Ética, perita em ética da Comissão Europeia e da UNESCO e ex-deputada no Parlamento Europeu. Também participaram do evento sobre alocação e priorização em programa de vacinas a vice-presidente de Alianças do Observatório Social do Brasil (OSB), Tatiana Bastos; o professor dos cursos de Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – SP e membro do Conselho de Ética do IES, Mário Aquino Alves; e o diretor Técnico do Instituto Ética Saúde (IES), Sergio Madeira.
Na abertura do webinar, Madeira fez uma rápida contextualização do cenário atual, com as distopias no processo de vacinação, fraudes para obtenção das doses, com burla do conceito de comorbidades, corrupção de agentes públicos e outras distorções na ponta do programa de vacinações.
Enfatizando tratar da experiência europeia e global, Maria do Céu destacou que valores éticos foram colocados na gaveta na primeira fase da pandemia. “Alocação não é um procedimento puramente técnico, tem também uma dimensão ética intrínseca. A escassez de recursos de saúde, há um ano e meio, desencadeou processos agressivos de angariação dos bens escassos que infringiram a cooperação internacional e a solidariedade social, na obrigatoriedade de partilha de bens vitais, bens públicos. E, com relação a priorização, chamo a atenção para a escolha de critérios tácitos de seleção de pessoas, que violaram a dignidade e a justiça social, no reconhecimento do valor absoluto e incondicional de todas”.
Para a professora, quanto maior o nível de poder, maior é de dever. O que se exige do Estado é a obtenção da quantidade de vacinas necessárias, na máxima qualidade, com mínimo preço e maior celeridade, dentro dos princípios de responsabilidade moral, política e jurídica. Assim, também deve assegurar a organização de um programa e logística de vacinação universal, gratuita e acessível, com prioridades cientificamente fundamentadas. E destacou a implementação de campanhas massivas de informação objetiva, direta e interativa. “Na ausência de uma política célere, surgem oportunidades para contratos duvidosos, corrupção ou planos de vacinação negligentes ou ineptos. É preciso iniciativas dos legisladores para prevenir as fraudes, as penalizem e protejam os mais vulneráveis. É necessária a denúncia por parte de associações profissionais e cívicas e ampla divulgação nos meios de comunicação”, complementou.
A população também tem suas responsabilidades. “O cidadão precisa procurar informação científica e objetiva, este é um princípio de cidadania ativa indispensável; proteger a sua saúde, obedecendo as regras sanitárias em vigor; e contribuir para a proteção da saúde pública. Temos que ter esses dois níveis: a ação do estado e do cidadão. Qualquer um deles que falhar, é a saúde pública que fracassa. Precisamos fazer o que está ao nosso alcance e denunciar aquilo que não está. É assim que eu vejo o quadro ético da alocação e priorização da vacinação”, concluiu.
Mário Aquino Alves lembrou que o Brasil ultrapassou as 526 mil mortes no Brasil, por Covid-19, e destacou o papel crucial da Federação, num contexto de pandemia. “Nossa política é desenhada por União, Estados e Municípios e a esses três níveis são atribuídos funções e deveres. O desarranjo da política vai ter consequências nos processos de vacinação e como os outros cuidados com relação a Covid-19 são implementados. O mínimo de coordenação salva vidas, mas hoje o Estado não exerce as funções primordiais. É importante termos informações mais fidedignas. E, fundamental que as pessoas também entendam o seu papel dentro do programa de imunização e, sobretudo, para que funcionem como grandes controladores sociais desse processo”.
A vice-presidente de Alianças do OSB ressaltou que acredita, de fato, que a participação ativa da população faz a diferença e é fundamental. “Como disse a professora Maria do Céu, ‘cada cidadão é um agente de saúde pública’ e cabe ao Estado estabelecer regras claras e transparentes para que o servidor que está no momento da vacinação possa negar o imunizante, caso seja identificada alguma irregularidade por parte de quem está ali para tomar a dose”, disse Tatiana Bastos.
No encerramento, o diretor técnico do IES lembrou a importância da comunicação maciça em relação a pandemia e a vacinação. “Isso não está sendo feito e gera um mosaico negativo de decisões individuais que atrapalham o processo de imunização como um todo”. Terminou dizendo que, apesar de tudo, o Brasil está perto de atingir a imunidade de rebanho. “100 milhões de pessoas tomaram pelo menos uma dose da vacina e mais de 18 milhões se infectaram. Nos próximos 30 ou 40 dias, devemos atingir entre 70% a 75% de pessoas imunizadas”.
O webinar teve o apoio institucional da FGVethics e Observatório Social do Brasil.
O conteúdo completo está disponível no Youtube do Instituto Ética Saúde, para assistir, clique aqui.